Minha geração nasceu nos últimos anos da Ditadura Militar no Brasil, das duas Alemanhas e da União Soviética. Viu o primeiro presidente da "democracia" ser eleito pelo Congresso, não por seus pais. Depois, viu este homem morrer e tornar-se herói nacional. Aprendeu, sem ninguém ter que explicar, o que é uma Constituinte. A primeira vez que minha geração votou, foi para Presidente da República. E a primeira vez que protestou nas ruas, foi para tirar esse presidente do poder. Então, porque uma geração que proclamou a liberdade tão alçada pela anterior, agora prega a intolerância e o ódio?
Minha geração, ainda muito criança, encantou-se com o Ursinho Misha nas Olimpíadas de Moscou e com o Sítio do Pica-Pau Amarelo. Foi crescendo, então ia à missa, se confessava e participava dos "inocentes" grupos de jovens (por motivos ocultos minha mãe nunca me deixou participar desses grupos). Então, minha geração ia para casa assistir Armação Ilimitada, TV Pirata e Barrados no Baile. Foi presenteada com o primeiro Rock in Rio. Uma galera que consumia bebidas alcoólicas antes dos 18 anos, às vezes fumava escondido, ia às festinhas para "ficar", mas ocultava isso dos adultos, principalmente dos pais. Na verdade, até hoje se nega a aceitar que sabe o que é "ficar" e finge se escandalizar com isso.
Minha geração, que tomava banho de chuva e de mangueira, que brincava de esconder com a turma da rua até o início da noite e que apelidava os colegas, ora de forma carinhosa e engraçada, ora com termos depreciativos devido a sua aparência ou classe social, hoje dá celulares aos filhos pequenos para ter um pouco de paz (por que fez?), os mantém dentro de casa para não ficarem doentes e transforma qualquer "oi" em bulling, qualquer opinião diferente da sua, em heresia. E ainda tem a petulância de dizer que os jovens "de hoje" não sabem viver. Foi minha geração que formou os jovens de hoje. Se não aprenderam a viver, é porque não foram orientados para isso.
Minha geração tornou possível o grande "boom" da ciência e da tecnologia, no entanto, rejeita as inovações e a evolução das mesmas. E apesar dos celulares dados aos pequenos, cai em contradição quando reclama que estes passam muito tempo conectados. Minha geração especializou-se para a vida profissional, aprendeu a ter iniciativa e opinião. Porém, não preparou-se para a vida em comunidade e nem para respeitar a opinião dos outros. Tornou-se egoísta, egocêntrica, e preconceituosa. Criou uma moral própria, onde oculta as loucuras da juventude e cobra que seus filhos sejam o que nunca foi. Tem medo que estes repitam as merdas que fez, eis o motivo de ficar horrorizada com qualquer coisa que não seja puritana e tradicional. Condena as músicas e danças atuais, mas esquece que as músicas e danças do final do século 20 não eram apenas as que apresenta aos seus.
Minha geração quis ter filhos, mas não preparou-se para tê-los. Nega-se a lhes mostrar a vida como ela é. Vale lembrar aqui da velha história da Bela Adormecida: a guria só feriu o dedo porque ninguém explicou a ela o que era uma roca de fiar. Se soubesse, não teria sido vítima da própria curiosidade e ignorância. Minha geração quer um exército de Belas Adormecidas, talvez para dominá-las, talvez por medo de ver-se refletida nas atitudes dos jovens da atualidade. Essa necessidade que minha geração sente em ter que provar o tempo todo uma santidade que não existe em ser humano nenhum, vai contra tudo o que conquistamos. Esse medo de revelar quem realmente é, de ser reprovada pela sociedade, de que seus descendentes descubram que é imperfeita, nos transforma numa geração de hipócritas.
Julie Christie do Brasil
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